BAFICI 2017 – Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente

•julho 1, 2017 • Leave a Comment

Buenos Aires, De 19 a 30 de abril 

Neste ano, o Brasil esteve presente no BAFICI com 10 filmes, de origens e gêneros bastante diversos. Documentários, filmes de arte, documentários com toques de ficção, ficções com toques de documentários, e até filme de terror falado em inglês. Obras realizadas por diretores de diferentes gerações, experientes ou principiantes, conhecidos ou nem tanto, oriundos de diferentes regiões geográficas do nosso imenso país. Dos 10, tive a oportunidade de assistir a seis. Aí vão algumas considerações.

 

A Cidade do Futuro (2016), de Cláudio Marques e Marília Hughes – Compentencia Oficial Latinoamericana – PREMIO DE MELHOR FILME LATINO-AMERICANO

Segundo longa metragem da dupla Cláudio Marques e Marília Hughes, o filme A Cidade do futuro é uma ficção com toques de documentário. Apesar do uso de vários artifícios do gênero documentário – imagens de arquivo e alguns depoimentos -, é a ficção que assume aqui o papel de protagonista ao colocar em primeiro plano a história de três jovens homossexuais habitantes de uma cidade do interior da Bahia. A ênfase é colocada nos sofrimentos vividos pelo trio em função de sua orientação sexual e da mentalidade pequena de sua população. A parte documental acaba ficando em segundo plano e, de certo modo, meio solta do restante da história. Uma pena porque a história de fundação daquela comunidade, fruto da desapropriação de terras para a construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho no interior da Estado, já seria por si só de extrema riqueza para a construção do filme. Com um bela fotografia, onde predominam as cores fortes, A Cidade do Futuro mostra a realidade de tantas cidades pequenas no interior do Brasil, com seu jeito simples de viver, com seus pequenos prazeres e sua mentalidade ainda tão tradicional (quadrada) e preconceituosa. A trilha sonora é bem trabalhada, com destaque para música Jeito Carinhoso, da dupla Jads & Jadson, que funciona como leitmotiv do filme. O grande senão do filme fica por conta da atuação de seus protagonistas, Mila Suzarte, Gilmar Araújo e Igor Santos. Atores estreantes – e isso se nota, sobretudo nas cenas iniciais do filme – que vão, pouco a pouco, ficando mais à vontade em cena e conseguindo nos envolver na história de seus personagens, com exceção de Igor, que até o fim, parece não encontrar sua zona de conforto! A ficção apresentada, no entanto, ignorou o desconforto de Igor e a fraqueza do aspecto documental da história e conquistou o júri portenho, tendo A Cidade do Futuro recebido o prêmio de MELHOR FILME LATINO AMERICANO na 19a edição do BAFICI.

 

A Destruição de Bernardet (2016), de Claudia Priscilla e Pedro Marques, na categoria Cinefilia

Documentário com toques de ficção sobre a vida de Jean-Claude Bernardet, francês (nascido na Bélgica por acaso) naturalizado brasileiro, crítico de cinema, e um dos nomes mais importantes da nossa história cinematográfica. Crítico fundamental na época de formação e consolidação do Cinema Novo – movimento cinematográfico mais importante da historia do cinema brasileiro – Bernardet é também roteirista, diretor, filósofo, professor de cinema e, mais recentemente, ator. O divertido e, ao mesmo tempo, profundo filme da dupla Claudia Priscilla e Pedro Marques apresenta, então, uma grande reflexão sobre os caminhos que levaram Bernardet a enveredar, já no crepúsculo da vida, para o mundo da atuação. Muitas vezes considerado “explorado” pelos jovens diretores que o elegem para atuar em suas obras, Bernardet desconstrói esse pensamento, colocando-nos diante de outra possibilidade: não seria ele – já quase sem visão e convivendo com a iminência da morte em função do HIV – que estaria explorando esses jovens, usando-os para poder continuar vivendo? Quem é quem nesse jogo de exploração? Em A Destruição de Bernardet, morte e vida andam lado a lado, são parceiras. Essa situação, no entanto, não assusta. A morte é tratada aqui com naturalidade, leveza e até com certo carinho. Temas como AIDS, suicídio assistido, passado-presente, erros, acertos, projetos, futuro (a curto prazo) são tratados neste filme-provocação, montado com esmero. A Destruição de Bernardet tem excelente ritmo, belas imagens, excelentes diálogos (conversas e reflexões) e acaba por nos fazer esquecer o tempo lá fora… Ao mesmo tempo, coloca-nos em profunda reflexão sobre os rumos que às vezes tomam as nossas vidas e as diversas possibilidades que temos para lidar com esses caminhos.

 

Arábia (2017), de Affonso Uchoa e João Dumans – Competencia Internacional – MENÇAO ESPECIAL DO JURI

Os mineiros Affonso Uchoa e João Dumans são hoje talvez os novos queridinhos do cinema independente contemporâneo, ou do também chamado cinema de periferia. Uma fama que parece já ter atravessado as fronteiras, visto que a sala de cinema da sessão de imprensa estava lotada. Já premiados no Festival de Tiradentes, o maior festival de cinema contemporâneo no Brasil hoje, os dois já haviam trabalhado juntos no bem sucedido A vizinhança do Tigre (2014) – Affonso Uchoa na direção e João Dumans no roteiro – e agora repetem a dose com o filme Arábia, único filme brasileiro selecionado para participar do Festival de Roterdã, na Holanda. Desta feita, os dois dividem a direção. O filme conta a história de um rapaz que mora com seu irmão mais novo no bairro proletário de Ouro Preto – a mãe nunca aparece – e que, num belo dia, descobre um caderno de anotações – espécie de diário – de um operário meio desconhecido de todos. O filme vai contar, assim, em flashback, o relato dessa road trip nada glamorosa de um brasileiro simples, que erra de trabalho em trabalho, tentando encontrar uma maneira decente de ganhar a vida, e de assim sobreviver. Ele sai de Contagem, bairro da periferia de Belo Horizonte onde mora Affonso Uchoa, e vai acabar parando em Ouro Preto, terra natal de João Dumans. Com um ritmo lento e uma bela fotografia, o filme trata de questões trabalhistas complicadas na realidade brasileira: empregos informais com baixos salários, falta de segurança e condições insalubres no local de trabalho, longas jornadas, exploração do trabalhador, etc. Tudo isso misturado às consequências desse nomadismo involuntário na vida pessoal do protagonista e também na dos vários personagens que ele vai encontrando pelo caminho. Situações que são, no entanto, mostradas de maneira delicada e contemplativa e que são vividas por milhares de brasileiros que, por falta de trabalho digno, veem-se obrigados a se lançar no mundo em busca de qualquer coisa que possa garantir seu sustento, mesmo que isso represente o afastamento da família, a solidão, o desamparo. O título do filme é inspirado no conto homônimo de James Joyce, que tem como fio condutor um menino de um bairro proletário de Dublin e sua fascinação diante de uma quermesse de nome Arábia. Um filme forte, político, mas ao mesmo tempo, sensível e poético, que nos leva a refletir sobre muitas questões a serem ainda resolvidas no nosso Brasil.

 

Beduíno (2016), de Júlio Bressane, categoria Trayectorias

Um filme original, complexo e hermético que requer do espectador um bom entendimento da obra de seu diretor, Julio Bressane, para ser bem entendido e apreciado. Ou como o próprio diretor diz, “para ser contemplado”! Quase uma peça de teatro, Beduíno se passa praticamente todo dentro do apartamento de seus protagonistas, os personagens-atores Fernando Eiras e Alessandra Negrini, palco em que várias cenas são encenadas. Todas elas pautadas por uma infinidade de referencias literárias que custaram muita pesquisa ao diretor e, consequentemente, muito tempo de trabalho. Foram 14 anos para concluir o filme! Não se trata de um filme narrativo, mas de um filme reflexivo, em que o casal de protagonistas discute a relação, seus sonhos, seus desejos, suas verdades e vão assim, aos poucos, passeando por obras de arte, de arquitetura e até mesmo pelas próprias obras de Bressane, como no caso de seu filme Memórias de um Estrangulador de Loiras, de 1971. Extremamente preocupado com a estética, Bressane se esmera nos planos e nos ângulos escolhidos, na luz e nas cores, apresentando ao espectador um filme poético, sensual, filosófico e que traz com orgulho a marca dessa figura de proa do nosso Cinema Marginal.

 

Lilith’s Awakening (2016), Monica Demes, Competencia Vanguardia y Género

Parece um pouco estranho falar de “filme brasileiro” quando tudo que se ouve na tela é inglês, saído da boca de atores americanos, atuando em um cenário que nada tem de Brasil. Um filme de terror e suspense, mais especificamente de vampiro, ou melhor de vampira! Sim, porque a questão de gênero é muito presente e forte no primeiro longa metragem de Monica Demes, cearense de 42 anos, mestranda em cinema na Maharishi University, em Iowa, nos Estados Unidos e que declarou em entrevista, que quando criança sonhava em ser vampiro. “Apadrinhada” por ninguém mais ninguém menos que David Lynch, diretor de cinema e do próprio curso, ela foi descoberta ao realizar o curta metragem de animação Halloween, quando estudava cinema na Espanha. Lilith’s Awakening, filmado em preto e branco – com apenas algumas cenas, ou detalhes de cenas, em cores – é rodado no estado de Iowa, num cenário bem típico de filmes de terror americano. Ele conta a historia de Lucy, uma jovem entediada com sua vida matrimonial e com o dia-a-dia nada exciting do vilarejo em que mora. Perdida em seus pesadelos (ou sonhos), a jovem busca um caminho alternativo para encontrar a paz e a felicidade. Uma busca que a levará ao encontro de Lilith, vampira misteriosa, que pode muito bem ser a sua própria essência. Com uma fotografia belíssima, bom ritmo e boa movimentação de câmera, o filme, apesar de não me parecer nada brasileiro – nem no tema nem na estética empregada – é bem produzido, bem montado e bem acabado. Falta-lhe, no entanto, toques de brasilidade, principalmente, por estar participando de um festival de cinema internacional, em que leva em punho a bandeira brasileira!

No intenso agora (2016), de João Moreira Salles, Competencia Oficial Internacional. Sessão com presença de João Moreira Salles.

Escrito e dirigido por João Moreira Salles, talvez tenha sido este o filme brasileiro mais esperado pelo público argentino neste ano. Até aí nenhuma surpresa, já que Moreira Salles goza de prestigio junto ao meio especializado argentino, e que, ainda por cima, faz dez anos que o diretor brasileiro não lança nenhum filme. Agregue-se a isso o fato de que No Intenso Agora, antes de chegar a Buenos Aires, já arrebatou alguns prêmios importantes em festivais de documentários espalhados pelo mundo, tais como três prêmios no Cinéma du Réel, na França, além de uma estreia muito bem recebida no ultimo Festival de Berlim. Narrado em primeira pessoa, o filme é montado em torno de um precioso conjunto de imagens da década de sessenta, incluindo registros da revolta estudantil francesa em maio de 1968, vídeos da chamada Primavera de Praga, feitos por amadores em agosto do mesmo ano, além de imagens dos horrores causados neste mesmo período em cidades como Paris, Praga, Lyon e Rio de Janeiro. Para completar esse conjunto de imagens históricas, Moreira Salles foi buscar nos filmes de família a sua maior fonte de inspiração e, talvez, seu maior trunfo! Trata-se de filmagens feitas pela própria mãe do diretor, em viagem à China em 1966, ano em que se implantou a Grande Revolução Cultural Proletária no país. Imagens feitas em VHS, a cores, e que trazem leveza e poesia às duras imagens em preto e branco dos eventos de 1968. Imagens também que ajudam o narrador-diretor a elaborar suas próprias reflexões acerca da intensidade com que se vive momentos de grandes tensões na história. Momentos em que se vive tão intensamente cada minuto que não se pensa necessariamente no amanhã, na ação que deverá ser tomada em seguida, depois de passada a “tempestade”, ou depois da “conquista”. Momentos intensos que depois viram história, tornando-se parte integrante da memória, e que muitas vezes parecem não ter dado em nada. Conclusão que o próprio filme desmente, já que todo ato terá algum desdobramento, mesmo que não aquele planejado no calor da hora! Um grande filme, repleto de nostalgia e poesia, sobre um momento “quente” da história mundial, em contraste com um momento de puro encantamento e de descoberta na história pessoal do diretor. Um filme que transita de maneira brilhante entre o pessoal e o mundial, entre o privado e o público, e que nos traz uma quantidade enorme de informações importantes para entendermos os rumos tomados pelos eventos dos sessenta e, sobretudo, para pensarmos os acontecimentos de agora.

 

Jornal de bordo – Update

•junho 24, 2017 • Leave a Comment

Desde que me mudei para Buenos Aires há dois anos, perdi um pouco o controle sobre o meu tempo! Mudanças, em geral, são extremamente proveitosas para o crescimento pessoal (continuo acreditando nisso), mas, ao mesmo tempo, podem ser um tanto quanto complicadas com relação à parte prática da vida… No início, ainda tentei escrever algumas críticas, mesmo que não com tanta frequência, para tentar manter o blog minimamente atualizado, mas pouco a pouco a vida “real”, agravada pela chegada da fase final do doutorado, foi me atropelando e assumindo uma proporção maior do que eu esperava!

Resumo da ópera: já estou há quase dois anos sem escrever aqui… e ainda nem terminei o doutorado! Isso me entristece um bocado, já que é aqui que posso escrever de forma livre, sem os enquadramentos acadêmicos e, sobretudo, na minha própria língua (amo nosso português!!!!). Um espaço em que posso simplesmente compartilhar minhas ideias sobre filmes que vejo, sem nenhuma censura! Pode ser um clássico, um blockbuster, um documentário, um filme de arte… qualquer coisa! Ah, pode ser também sobre uma viagem relacionada à sétima arte, ou algum livro interessante, algum evento, seminário, etc. Ou seja, qualquer coisa mesmo! Um espaço para falar de cinema e ponto final. Ou melhor, e reticências…

Enfim, o que queria hoje era apenas retomar este canal, mesmo que “precariamente”. Sim, porque ainda não dá pra ser como antes, já que agora iniciei a escritura da tese… e estou bem enlouquecida!!!!! Mas, justamente por isso, para o bem da minha sanidade mental é que gostaria de retomar esta escrita livre, este bate-papo com desconhecidos e conhecidos sobre essa arte que tanto me atrai!

Isso dito para justificar posts vindouros com temas antigos, eventos, lugares e textos que talvez pareçam (e sejam) meio desatualizados. Só queria poder voltar a compartilhar com vocês meu olhar… Bons filmes!

•julho 25, 2016 • Leave a Comment

Depois de tantos meses sem escrever – estive envolvida em um curso de documentários, junto com a pesquisa para minha própria tese que precisa sair em algum momento… – volto hoje à ativa. Mais uma vez, não posso prometer assiduidade. Até acabar este doutorado vai ser assim… Mas, prometo que de vez em quando darei as caras,  sempre que achar que um filme vale a pena ser visto!

Por isso compartilho aqui, hoje, minhas ideias sobre algo que assisti recentemente e que achei muito bom. Trata-se do italiano Perfetti sconosciuti (2016) ou Perfeitos desconhecidos (imagino que chegue no Brasil com este título), de Paolo Genovese.

 

Perfeitos desconhecidos (2016)

Una foto di scena di 'Perfetti sconosciuti', Roma, 9 gennaio 2016. ANSA/UFFICIO STAMPA ++ NO SALES, EDITORIAL USE ONLY ++

Título original: Perfetti Sconosciuti

Origem: Itália

Direção: Paolo Genovese

Roteiro: Filippo Bologna, Paolo Costella, Paolo Genovese

Com: Giuseppe Batiston, Alba Rohrwacher, Edoardo Leo, Marco Giallini, Anna Foglietta, Valerio Mastrandea, Kasia Smutniak.

Se você gostou dos filmes Deus da carnificina (2011) e/ou Qual é o nome do bebê? (2012), é bem provável que goste deste também. O formato é bem parecido. Gravado quase todo em um mesmo ambiente – apartamento de classe média alta -, um grupo de amigos se encontra para jantar, compartilhar as novidades da vida e apreciar um eclipse total da lua. São três casais e um divorciado que, em teoria, iria apresentar sua nova namorada. No entanto, ele chega sozinho, deixando o grupo uma vez mais frustrado com o mistério que envolve sua nova amada.

Em torno da mesa – de um bom vinho e dos muitos piatti que compõem uma refeição italiana – os amigos falam de amenidades até que Eva (Kasia Smutniak) – psicoterapeuta casada com um cirurgião plástico, mãe de uma adolescente com quem vive em crise – propõe uma espécie de jogo da verdade. Cada um dos amigos tem que colocar o celular em cima da mesa e, a partir daquele momento, está obrigado a compartilhar qualquer mensagem recebida, lendo-a em voz alta. Ou, no caso de chamadas, terá que atende-la em viva-voz.

Está dada, assim, a largada para um emaranhado de mal entendidos e de segredos revelados. Um jogo perigoso que pode estremecer todo e qualquer tipo de relacionamento. Até que ponto vale a pena conhecer todos os segredos de uma pessoa?

À medida em que a lua vai sendo encoberta pela sombra da terra, o ambiente do jantar vai se tornando cada vez mais tenso, mais carregado, mais sombrio. Cada bip de entrada de mensagem faz estremecer cada um dos personagens. E a nós também, espectadores, que embarcamos com tudo na tensão daquela brincadeira. O mundo exterior invade, assim, aquele ambiente huis-clos, projetando sua sombra na aparente felicidade e harmonia daquele grupo de amigos que se conhece há tão longa data. Mas será que se conhece mesmo?

Com diálogos muito bem elaborados, o filme tem ritmo excelente e muito bom roteiro, revezando momentos de descontração, regados de brincadeiras típicas dos que convivem há muitos anos, e momentos de decepção, tristeza ou raiva diante de descobertas avassaladoras.

Perfeitos desconhecidos é um filme super atual que põe em cheque a fragilidade dos relacionamentos nesta era digital em que vivemos. O que é real e o que é virtual, invenção ou mera aparência? Que verdades escondem um perfil no Facebook ou no Instagram? Quem são de fato nossos amigos? Como vivem de verdade? O que sentem? Como estão hoje? Os conhecemos pra valer ou apenas sabemos aquilo que escolhem publicar na grande rede?

Ao mesmo tempo, o filme de Genovese levanta a questão sobre o paradoxo da liberdade/prisão que tecnologia trouxe para nossas vidas, conectadas o tempo todo com todo o mundo. Uma ponte capaz de unir os que estão distantes, de fornecer informações instantaneamente aos quatro cantos do mundo, mas que, por isso mesmo, representa uma invasão total de privacidade, não deixando muito espaço para segredos. E que atire a primeira pedra quem não os tem…

Um filme PRA PENSAR.

 

 

100 Años de Perdón (2016)

•março 6, 2016 • 1 Comment

Título original: Cien Años de Perdón

Origem: Argentina / Espanha / França

Direção: Daniel Calparsoro

Roteiro: Jorge Guerricaechevarría

Com: Joaquin Furriel, Luis Tosar, Rodrigo de la Serna, Raúl Arévalo, José Coronado, Luciano Cáceres, Patricia Vico, Marian Alvarez

Deixando o Oscar de lado e retomando nossas críticas sobre filmes de origens e cores diversas, hoje vou comentar um filme que acaba de estrear nos cinemas argentinos. Trata-se de uma coprodução Argentina-Espanha-França, falada em espanhol, mesclando grandes atores argentinos e espanhóis. cien anos de perdon

A parceria entre produtoras europeias e argentinas deu ao filme latino uma aura de blockbuster americano, sem perder, no entanto, o charme das regiões mais cálidas do globo. Um filme de ação bem montado, bem filmado, com belíssimos movimentos de câmera, boa fotografia, boa trilha, excelente ritmo e cheio de humor. Um filme divertido que faz o tempo voar, sem no entanto, deixar de colocar-nos diante de questões bastante sérias de nossas sociedades atuais. Questões que não dizem respeito apenas à Espanha, onde a história se passa, à Argentina, de onde vem parte do elenco, ou à França, coprodutora, mas questões, infelizmente, universais. Questões, aliás, extremamente atuais em nosso Brasil de hoje (ou talvez de sempre): os desdobramentos da corrupção nas várias esferas da sociedade. Casos cabeludos que envolvem políticos, empresários (bancos), justiça (polícia), cidadãos comuns, etc.

100 Años de Perdón conta a história de um grupo de seis assaltantes que um belo dia, não definido no calendário, resolvem assaltar o Banco Mediterráneo em Valencia, Espanha. A ideia seria esvaziar todos os cofres (de clientes) da caixa-forte e fugir por um túnel (previamente cavado) que os levaria até uma estação abandonada de metrô. Tudo de certa forma bem planejado, mas que não contava com um pequeno problema meteorológico… Justo naquele dia, uma chuva forte insistia em cair sobre Valencia, inundando o túnel por onde os assaltantes fugiriam.

O plano vai, então, literalmente por água a baixo, deixando os seis homens reféns de si mesmos, presos dentro do Banco junto com clientes e funcionários apavorados, sem saber como sair daquela enrascada. O clima esquenta entre os membros da quadrilha que começam a discutir e brigar entre si, revelando segredos sobre o assalto. Sem deixar que os de fora descubram as falhas do plano, começam então as negociações com a polícia. E é aí que, nós, espectadores seremos apresentados ao real objetivo do assalto e a quem está de fato por trás de toda esta ação.

Sem seguir muito mais adiante no meu relato sobre o filme (melhor que vocês vejam com seus próprios olhos!), posso dizer que o que veremos não é muito diferente do que já podemos imaginar em função de nossas próprias experiências de vida, sem falar nos tantos filmes que retratam (bem ou mal) essas infindáveis malhas de corrupção que insistem em aproximar nossas culturas. Infelizmente!

100 Años de Perdón é uma ficção que pode ser a história de qualquer país deste globo terrestre e que joga em nossas caras o que já sabemos de cor e salteado: instituições corrompidas pela ânsia de poder e fortuna, abençoadas por uma justiça que não pune, não vão nunca alavancar o florescimento de nações justas e equilibradas. Sociedades que não investirem pesadamente em educação como sua melhor arma para dizimar esse comportamento indecente e, hoje, tão naturalmente aceito, não poderão nunca formar sociedades justas e fornecedoras de oportunidades para todos.

Não, “não podemos fazer concessões à ética”, utilizando aqui uma frase que meu pai gosta tanto de repetir. Temos, ao contrário, que lutar para mudar de uma vez por todas o ditado que dá título a este filme… Ladrão que rouba ladrão NÃO deveria ter 100 anos de perdão. Todos que cometem crimes devem ser punidos e sofrer as consequências de seus atos!

PRA PENSAR e PRA SE DIVERTIR.

 

Sobre ontem à noite…

•fevereiro 29, 2016 • Leave a Comment

Infelizmente não consegui completar a tempo a série “Rumo ao Oscar”. No entanto, gostaria de compartilhar com vocês um pouco do Meu Olhar sobre a edição 2016 da premiação da Academia Americana de Artes e Ciências Cinematográficas.

oscar 2016

A cerimônia de entrega do Oscar 2016 foi eminentemente política, marcada por protestos de todos os tipos… Alguns bem colocados, outros muito exagerados, alguns emocionantes, alguns desconcertantes, mas todos, sem dúvida, protestos legítimos e válidos. Vozes que se elevaram contra o preconceito racial e de gênero, vozes pela preservação do meio ambiente e respeito às comunidades indígenas, vozes contra a violência sexual e tantos outros absurdos de nossa sociedade contemporânea. Talvez esta edição tenha sido um turning point para um evento que costuma brindar o brilho, o luxo, a vaidade, as amenidades, a descontração, o divertimento e, claro, o talento.

Não sou contra nem uma modalidade, nem outra. As duas têm seu lugar e seu valor. O cinema tanto é diversão quanto informação. Tanto pode fazer nossa mente voar, aliviando-nos da tensão do dia-a-dia, como pode fazer-nos mergulhar em reflexão profunda sobre temas importantes da atualidade ou de nossa existência. Tanto pode cegar, alienar, como também pode nos ajudar a enxergar mais longe.

Bem coerente, portanto, o prêmio de Melhor Filme ter sido atribuído neste ano à Spotlight: Segredos Revelados.

Como escrevi em minha última crítica, não era o meu candidato favorito. Em termos cinematográficos – avaliando técnica + arte – não acho que tenha sido o melhor. Não à toa não ter levado as estatuetas de Melhor Diretor, Melhor Montagem, Melhores Atores Coadjuvantes e nem ter sido mesmo indicado em algumas categorias importantes como a de Melhor Fotografia. No entanto, o prêmio de Melhor Roteiro Original corrobora o tom adotado pela cerimônia de 2016, cujos holofotes estavam virados mais para o “tema” do que exatamente para a técnica empregada. Um reconhecimento a uma obra que vai muito além da arte e da ciência. Um filme que tem uma função social extremamente valiosa. Um papel importante e ousado que merece por si só um troféu, uma recompensa por ter tido a coragem de tocar em uma grande e antiga ferida de nossa sociedade, incentivando, assim, a investigação jornalística séria e comprometida.

A premiação de Melhor Direção para Iñarritú foi, na minha opinião, muitíssimo acertada, assim como foi a de seu compatriota Emmanuel Lubezki para Melhor Fotografia (seu terceiro Oscar seguido). A dupla deu show, realizando um filme grandioso, utilizando com maestria as ferramentas clássicas da sétima arte. Da mesma maneira, encheram-me de alegria os prêmios para Leonardo DiCaprio, Brie Larson, Mark Rylance, Alicia Vikander, Divertida Mente (Animação) e, sobretudo, para Ennio Morricone. Inacreditável o velho e grande Morricone (87 anos) só agora ter recebido sua primeira estatueta! Mas, como disse no começo deste texto, talvez tenha sido este um Oscar-turning-point! A confirmar em 2017.

Spotlight: Segredos Revelados (2015)

•fevereiro 22, 2016 • Leave a Comment

Título original: Spotlight

Origem: EUA / Canada

Direção: Tom McCarthy

Roteiro: Josh Singer, Tom McCarthy

Com: Mark Ruffalo, Michael Keaton, Rachel McAdams, Josh Slattery, Brian d’Arcy James, Stanley Tucci, Liev Schreiber

Vamos hoje para o quinto da série “rumo ao Oscar”, concorrendo em seis categorias (Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Original, Melhor Montagem, Melhor Ator Coadjuvante para Mark Ruffalo, Melhor Atriz Coadjuvante para Rachel McAdams) e, pelo que ando lendo e ouvindo por aí, um dos mais fortes candidatos na opinião do público e da crítica: Spotlight – Segredos Revelados.

Assim como O Regresso, A Grande Aposta, Carol e Joy (os dois últimos não concorrem a melhor filme), Spotlight também é baseado em fatos reais. Fatos, aliás, bem cabeludos que envolvem os maiores poderes do nosso mundo: a Igreja, a Justiça e a Imprensa!

Uma história (investigação) pra lá de interessante – ganhadora de um Prêmio Pulitzer – com potencial para gerar uma obra-prima do cinema. Só que não! Spotlight-Film Poster

Sem querer mais uma vez ser uma estraga-prazeres, tenho que admitir que não achei assim uma Brastemp! O filme é bom, tem muitos méritos que vão além da sétima arte, mas não é fantástico! Demora muito para decolar – os primeiros quinze ou vinte minutos não prendem – e por essa razão, perde um pouco a “liga”. A segunda parte, tem melhor ritmo e acaba conseguindo envolver-nos mais na investigação, sem, porém, chegar a nos tocar como fez Philomena, de Stephen Frears (2013), que também contava horrores envolvendo a Igreja (Leia o post do dia 2/2/14). Como se, de certa forma, o diretor McCarthy também quisesse se proteger um pouco…

Ao filme:

Spotlight conta a história da investigação de diversos casos de pedofilia envolvendo membros da Igreja Católica em Boston – chegando até ao Arcebispo da cidade, Cardial Law (Len Cariou) – descobertos pela equipe do jornal The Boston Globe conhecida pelo pseudônimo de Spotlight. Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matty Carrol (Brian d’Arcy James), chefiados por Walter Robinson (Michael Keaton) formam o time de elite do jornal, responsáveis por investigações confidenciais que podem durar meses ou até anos. Assuntos graves que não podem ser divulgados no calor da hora nem da emoção.

Seguindo o estilo clássico de se fazer cinema, sem ir buscar apoio na tecnologia de ponta nem em efeitos “pirotécnicos” diversos, o filme é narrado de forma linear, com algumas elipses, mas sem recorrer muito aos tradicionais flashbacks, recurso que poderia ter sido usado e abusado pelo diretor para causar um efeito de comoção no público. A escolha de McCarthy, no entanto, recaiu sobre o formato jornalístico limpo, direto, honesto, sem melindres, um dos pontos fortes do filme, apesar de talvez ser justamente este o fator responsável pela falta de conexão total com espectadores. Um certo distanciamento jornalístico que tem seu mérito, mas que, ao mesmo tempo, pode ser lido como um certo receio de exibir algo que se configura em mais uma “bomba” para a poderosa Igreja Católica.

O excelente trabalho da equipe Spotlight na vida real (e também da equipe de atores que os interpretou) resultou em um igualmente excelente trabalho de denúncia, via sétima arte, dos horrores que continuam a existir na Igreja Católica. Crimes contra crianças e adolescentes que seguem marcados por toda vida. Com certeza, um filme que vai incomodar muita gente e que vai fazer grande parte do público pensar e refletir sobre até onde vão os limites do poder “divino” que a Igreja tanto reclama para si. Um poder sem fronteiras, que não obedece às leis dos humanos e que se julga por isso superior. Um poder que intimida, que amedronta, que ameaça, já que protegido pelo que não se explica, pelo que não se racionaliza, nem se questiona: a fé. Isso sem falar na “parceria” da Justiça e da própria imprensa que, por também temer o poder “superior” da Igreja, deixa passar tantos casos criminosos comprovados.

Muito interessante observar que o processo todo de desmantelamento da rede de pedofilia da Igreja Católica tenha sido iniciado com a chegada do novo editor-chefe, “estrangeiro” a Boston, e também “estrangeiro” ao catolicismo. Marty Baron (Liev Schreiber) é um judeu que acabara de assumir a chefia do jornal depois de já ter passado por Miami e Nova Iorque. Um novo olhar, ainda não acometido pela miopia da região, que consegue enxergar bem mais longe.

Apesar de ter começado esta análise falando que Spotlight não é assim uma Brastemp, gostaria de retomar o raciocínio. Quando digo isto, refiro-me a quesitos técnicos, estéticos, à cinematografia em seu estado puro. No entanto, filmes como estes são importantíssimos e fundamentais em todos os tempos. O cinema pode e deve ser usado para denunciar, para apontar, para nos acordar, para sacudir nossos pontos de vistas acomodados, míopes e doutrinados. Talvez o prêmio adequado para Spotlight não seja mesmo um Oscar… ele merece muito mais! Merece nosso aplauso pela coragem, pela ousadia e por permitir o seguimento de uma investigação que não pode parar. Merece prêmio por levar a um número muito maior de pessoas uma denúncia de práticas indecentes que até hoje existem e persistem na Igreja Católica. Que me perdoe minha mãe, que tanto preza pela Igreja, pela religião e que tanto reza para aumentar sua fé… Mas Deus não é a Igreja. Ela é só uma instituição feita por homens, por gente de carne e osso. Gente que erra – e erra muito – por se acreditar dotada de um poder divino, maior que o dos outros seres humanos. E a fé, ao mesmo tempo que traz paz, também cega, amedronta e até corrompe! Que filmes como Spotlight sirvam para deixar nossos olhos bem abertos!

PRA PENSAR.

O Quarto de Jack (2015)

•fevereiro 18, 2016 • Leave a Comment

Título original: Room

Origem: Canadá / Irlanda

Direção: Lenny Abrahamson

Roteiro: Emma Donoghue (também autora do livro)

Com: Brie Larson, Jacob Tremblay, Sean Bridgers, Joan Allen, William H. Macy, Tom McCamus

Imagine-se vivendo em um quarto pequeno, sem janelas, durante sete anos, sem direito a sair para nada! E para piorar, servindo de escrava sexual de um homem desconhecido que aparece de vez em quando para trazer o básico para sua sobrevivência e para exigir seus “direitos”. E se esse homem lhe desse um filho? Um bebê não desejado, fruto de um ato violento, injusto e cruel, mas que vai se tornar sua maior razão de (sobre)viver.

Essa é, de forma muito simplista, o ponto de partida do filme que comentarei hoje, O Quarto de Jack, quarto da série “rumo ao Oscar”, concorrendo em quatro categorias : Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz. room 2

Um filme sensível, às vezes duro de assistir, angustiante, bonito e emocionante!

Baseado no livro homônimo da irlandesa Emma Donoghue, que também assina o roteiro, O Quarto de Jack conta a história de Joy (a grandiosa Brie Larson), uma adolescente raptada, violentada e feita prisioneira de um desconhecido, apelidado por ela de Velho Nick (Sean Bridgers). Transformada em uma espécie de escrava sexual, a jovem acaba engravidando de seu algoz e dá à luz Jack (o encantador Jacob Tremblay).

O filme começa, então, no dia do aniversário de cinco anos do pequeno, tendo como ponto de vista narrativo o olhar do menino. Uma criança aparentemente feliz que não conhece nada além daquele pequeno quarto em que vivem, por onde só se enxerga o exterior (céu), via claraboia no teto e pela televisão, ponte entre o mundo real (Quarto) e o da fantasia (exterior). Ou seria o contrário? Para Jack, tudo o que acontece no “espaço” – como ele chama o exterior – é tão fantasioso quanto nos livros de história que sua mãe lê para ele.

Para não enlouquecerem e para tornar a vida do filho um pouco próxima do que considera “normal”, Joy cria uma rotina para os dois: Café da manhã, exercícios, hora de ver televisão, de ler, de tomar banho, etc. Atividades que acabam por dar um certo ar de normalidade e graça à vida daqueles personagens, ao ponto de, por vezes, fazerem-nos até ignorar a gravidade da situação.

E aqui, tenho que abrir parênteses para falar da atuação da dupla. A sintonia entre os dois atores é total e absurda. Tudo parece tão real e verdadeiro! Atuações equilibradas, sinceras e, por que não dizer, perfeitas, que nos comovem profundamente. A última vez que vi tamanha sintonia entre mãe e filho (ou seja, entre atriz e ator) foi no filme canadense Mommy (leia o post do dia 19/4/15), de Xavier Dolan. Não levando aqui em consideração, claro, os enredos dos dois filmes que são totalmente diferentes. Mas o que quero dizer é que o trabalho da dupla, sem desmerecer a excelente direção do irlandês Lenny Abrahamson – que soube guiar seus atores sem nunca deixa o filme cair no dramalhão – é sem sombra de dúvidas, o maior trunfo de O Quarto de Jack. O pequeno Jacob é uma joia rara, já tendo até arrebatado o Critics’ Choice Award (Best Young Actor) e a jovem Brie Larson é, não sem razão, fortíssima candidata a levar o Oscar de Melhor Atriz neste ano. Sem falar em Joan Allen, que também está excelente no papel da mãe / avó.

Com relação à estética do filme, nada de grandes novidades, porém tudo muito justo, correto, equilibrado, bem filmado e bonito. Várias tomadas em contra-plongée absoluto ou em plongée absoluto são um caminho lógico e esperado para o tipo de história narrada. A trilha, que se faz notar apenas nos momentos-chave, também foi muito bem utilizada. Silêncios intercalados por músicas em crescendo ajudam a dar um clima de tensão à situação apresentada.

Dotado de bom ritmo, pode-se dizer que O Quarto de Jack é dividido em duas partes: a do Quarto em si e a do Mundo. Na primeira, nós, espectadores, também somos confinados àquelas quatro paredes. Um cenário claustrofóbico, feio e de pouca luz mas que consegue, em alguns poucos momentos, se transformar quase em um cenário de conto de fadas à la Cinderela ou Alice no País das Maravilhas, graças ao olhar inocente e doce de Jack. Sonhamos com ele, entramos na sua fantasia de sobrevivência e chegamos até a encontrar graça e beleza naquele universo paralelo tão cruel e desumano. Pena que esses momentos durem pouco…

A segunda parte, já no Mundo, depois que os dois conseguem escapar do cativeiro, é mais ensolarada, com tomadas mais amplas (planos gerais, planos americanos, etc.), coloridas, mas, por incrível que pareça, é a mais difícil, menos harmoniosa, mais angustiante e dura de resolver. Não tendo mais que “sobreviver”, Joy agora precisa reaprender a viver. Reaprender a viver em sociedade, ao lado de outras pessoas, de gente que questiona, que se envolve, que se importa, que ama ou que não ama e que interfere. Aquele mundo paralelo, criado por ela, e de certa forma “protegido” da realidade, já não existe mais. A relação harmoniosa entre mãe e filho, sem interferência exterior (fora, obviamente, a constante ameaça na figura do Velho Nick), ficou para trás. “Ma” já não é mais a única pessoa no mundo para Jack. Assim como Jack não é mais o único ser humano que conta para Joy. As preocupações agora vão muito além da sobrevivência dela e do menino. E aí o filme surpreende, ao ganhar uma camada ainda mais profunda de reflexão.

Duas partes bem diferentes, embora igualmente densas e bem realizadas, que contrastam entre si e que se somam, levando-nos a refletir sobre uma série de questões da vida em sociedade. Um filme que não é baseado em fatos reais, mas que não deixa de contar a triste história de tantas adolescentes por aí afora e de relações complicadas vividas por várias famílias em todo o mundo.

Mais que isso, O Quarto de Jack é sensível, duro, emocionante e lindo, um conto não-de-fadas em que a fantasia ajuda a realidade a ser tornar vivível, mexendo de verdade com nossos sentimentos. Preparem o lenço!

PRA PENSAR e PRA CHORAR.

Carol (2015)

•fevereiro 13, 2016 • 2 Comments

Título original: Carol

Origem: EUA / Inglaterra

Direção: Todd Haynes

Roteiro: Phyllis Nagy, Patricia Highsmith (livro)

Com: Cate Blanchett, Rooney Mara, Sarah Paulson, Kyle Chandler, John Magaro, Jake Lacy

 

Terceiro da série “rumo ao Oscar”, hoje vou falar de um filme talvez um pouco menos pretensioso do que os dois anteriores, mas, nem por isso, de menor qualidade.

Carol é um filme de fácil compreensão, sem rodeios, nem subterfúgios, em que nada está implícito, apesar de seu tema ainda tabu em tantas sociedades: a homossexualidade feminina. Imaginem, então, nos anos 50, época em que a história se desenrola.

carol poster

Em 1952, aliás, a Associação Americana de Psiquiatria acabava de incluir a homossexualidade na lista de distúrbios mentais (sociopathic personality disturbance). Neste mesmo ano, a jovem escritora Patricia Hightsmith, que havia tido enorme sucesso com seu primeiro livro Strangers on a Train, graças à adaptação feita por Hitchcock às telona – em português Pacto Sinistro (1951) –, viu-se obrigada a publicar seu segundo romance sob o pseudônimo Claire Morgan. O motivo? O conteúdo “escandaloso” de sua história: amor entre duas mulheres.

E é justamente baseado na obra The Price of Salt, considerada pornográfica para a época, que Carol foi realizado.

Em uma Nova Iorque dos anos 50, o filme conta a história de amor entre Carol (uma Cate Blanchett mais elegante do que nunca!) e Therese (Rooney Mara). Mulheres de gerações diferentes, classes sociais também diferentes, vivendo momentos igualmente distintos em suas vidas. Carol, mulher rica e belíssima, está em pleno processo de divórcio, ainda discutindo com o ex-marido a guarda de sua única filha. Therese, jovem da típica working class americana, trabalha em uma loja de departamentos chique, vendendo bonecas para clientes endinheiradas, mas sonha em tornar-se fotógrafa profissional algum dia. Tem um namorado – Richard (Jake Lacy) – que planeja casar-se com ela e ainda leva-la para uma viagem de sonhos na Europa.

Por uma obra do destino (e quem sabe do bom velhinho, já que a história se passa no período do Natal), as duas mulheres acabam se encontrando, se conhecendo e, pouco a pouco, percebendo-se atraídas uma pela outra.

Iniciado com um belo plano-sequência que nos dirige, por meio de um gracioso movimento de câmera, a um chique restaurante em Manhattan, somos então apresentados às duas protagonistas. De uma conversa interrompida nesta primeira cena, passamos então a um longo flashback, em que veremos o desenrolar da relação que une as duas mulheres. Um romance que tem como pano de fundo uma sociedade extremamente moralista e todas as implicações e complicações que representam viver uma relação homossexual naquela época, ainda mais sendo mãe, em processo de divórcio e lutando pela guarda da filha.

Indicado à Palma de Ouro em Cannes em 2015, mas não levando a estatueta, impossível não traçar aqui um paralelo com o badalado filme francês La Vie d’Adèle (2013), de Abdellatif Kechiche (se você não viu, leia o post do dia 20/10/13), que também retrata o romance entre duas mulheres de classes sociais diferentes e que, no caso, ganhou a Palma de Ouro em 2013. Enquanto o diretor do filme francês insistiu em mostrar todas as partes, optando por uma estética crua, realística e nua do romance (sobretudo nas cenas de sexo), Todd Haynes optou pela sutileza, pela sensualidade e pela elegância. Enquanto o filme de Kechiche nos choca, o de Haynes nos encanta. É belíssimo! Cheio de cenas-fetiche, com vários closes de mãos, nucas, cabelos, bocas e olhares, mas tudo de uma suavidade, delicadeza e beleza inacreditáveis, mostrando que não é preciso agredir o espectador para tocá-lo. Do lado de cá da tela, torcemos pelo amor das duas personagens, envolvemo-nos com seus sofrimentos e angústias e alegramo-nos com suas pequenas felicidades.

Filmado com uma Super 16mm (o mais comum é usar uma 35mm) o filme ganhou uma tonalidade meio envelhecida, meio amarelada, meio “antique”, sofisticada. Janelas e vidros são temas recorrentes em Carol. Olhares que veem e são vistos através de vidros opacos, embaçados, molhados, sujos. Seres humanos que se escondem, se protegem e, ao mesmo tempo se enxergam nesse jogo transparência-opacidade tão bem empregado aqui por Haynes.

A trilha sonora – composta por blues, jazz e pop americana dos anos 50 – também merece destaque. Ela acompanha à perfeição o ritmo e o tom elegante do filme, indo de Billie Holiday a The Clovers, passando por Georgia Gibbs e Les Paul and Mary Ford. Muito boa!

Para terminar, enquanto A Grande Aposta e O Regresso são filmes extremamente masculinos, este aqui é pura feminilidade. Com ritmo perfeito, duração também (não se vê a hora passar), Carol é um filme delicado, lindo, sensual, feminino, elegante, conciso, redondo! Mas talvez não original o suficiente para ganhar um Oscar. Já Cate Blanchett e Rooney Mara podem, sim, sair no dia 28 carregando uma estatueta dourada. A primeira por Melhor Atriz e a segunda por Melhor Atriz Coadjuvante. Vamos aguardar!

PRA SE ENCANTAR.

 

A Grande Aposta (2015)

•fevereiro 8, 2016 • Leave a Comment

Título Original: The Big Short

Origem: EUA

Direção: Adam McKay

Roteiro: Charles Randolph, Adam McKay e Michael Lewis (livro)

Com: Ryan Gosling, Christian Bale, Steve Carell, Brad Pitt, Finn Wittrock, John Magaro

Segundo da série “rumo ao Oscar”, hoje vou falar de um filme que vem causando alvoroço em meio ao público brasileiro: A Grande Aposta.

the big short

Entendo. O filme, encenado por um elenco de primeira grandeza, é uma adaptação do livro de mesmo nome, escrito pelo jornalista Michael Lewis, e relata a complexa trama que levou à crise imobiliária de 2008 nos Estados Unidos. Um livro dificílimo de ser traduzido para a língua dos “reles mortais” e, mais complicado ainda de ser adaptado às telonas. E só por isso, o diretor Adam McKay já pode se considerar vitorioso. O filme ficou relativamente fácil de se entender e pode até ser considerado (por alguns) bem divertido! Meu irmão economista adorou!

No entanto, pelos meus olhos que enxergam mais o aspecto cinematográfico da história, McKay pecou pelo excesso. Abusou demais dos efeitos que a Sétima Arte oferece e das gags que ajudam um filme a se tornar divertido e criou uma espécie de “Frankstein”, excessivo, caricato e metido a engraçadinho demais. Ficou cansativo! Mas antes que vocês me atirem pedras, vou tentar me defender…

Vamos lá!

  1. Movimento de câmera – Aquela câmera mexe demais! Certamente, a explicação para tal excesso pode estar no desejo de mostrar a agitação enlouquecida da vida do pessoal do mundo financeiro. Ok, concordo, apesar de ter ficado tonta. Este é, sem dúvida, um bom argumento e esta é uma boa estratégia estilística.
  2. Falta de foco – Em inúmeras cenas, as imagens perdem o foco. Aqui também se pode alegar que a falta de foco representa toda a loucura em que se vive no mercado financeiro. Workaholics que não enxergam nada além de números, oportunidades, painéis, fortunas e que, perdem muitas vezes o foco da vida. Também uma boa estratégia.
  3. Regard-caméra – A técnica de se olhar direto para a câmera e conversar com o espectador – que já foi um tabu no cinema clássico, mas que há muito deixou de ser – é usada e abusada por McKay. Mais uma vez, uma ótima estratégia para tornar o filme mais leve, mais didático e mais palatável. Mas até aqui já são três ferramentas usadas. E ainda não acabou.
  4. Inserções de cenas não-diegéticas – Inserção de cenas de efeito retórico, não pertencentes ao enredo do filme, que interrompem a narração para agregar-lhe um caráter didático. A primeira, com uma belíssima loura na banheira – no caso, a atriz australiana Margot Robbie – tomando champanhe (achei de péssimo gosto); a segunda, com o famoso chef americano Anthony Bourdain, ensinando a como reaproveitar ingredientes; e a terceira com a atriz/cantora pop Selena Gomez e o respeitado economista Richard Thaler, professor na Universidade de Chicago. Recurso também super válido para cumprir o objetivo de tornar o filme mais inteligível e divertido e, sem dúvida, até agora, o mais original deles.
  5. Inserção de imagens fixas (subjetivas ou explicativas) – Espécie de flashes compostos de imagens fixas que se intercalam com as imagens em movimento (cenas) e que introduzem pensamentos, delírios, sonhos, etc. Recurso bastante usado nos anos 90, sobretudo nos videoclips, mas também no cinema, e que, apesar de datados, também podem ter seu valor didático e divertido.
  6. Inserção de elementos animação ou textos sobre as cenas do filme – Estamos aqui diante do sexto recurso para transformar um assunto chato, em algo divertido, interessante e fácil de entender. Mais uma vez, uma ferramenta que tem seu valor. Mas será que ainda precisa????

Isso tudo dito e listado, volto ao meu ponto. Mckay usou, abusou e se lambuzou. Como se o diretor tivesse selecionado vários ingredientes exóticos para fazer uma receita original e tivesse terminado por fazer um “mexidão”. Ficou interessante? Talvez. Rico? Para mim, não. Poderia, ao invés, ter confiado mais na atuação de seu elenco que é, aliás, fantástico – Christian Bale e Steve Carell dão show! – e ter selecionado talvez uns três desses recursos estilísticos.

Provavelmente pese contra mim o fato de se tratar de um tema que desconheço ao extremo e que considero muito complicado e chato. Só que, se o objetivo era torna-lo palatável, divertido e inteligível para leigos, para mim a fórmula não funcionou. No meio do filme já estava torcendo para que estourasse logo a bolha imobiliária americana para eu poder ir embora para casa. Que me desculpe a legião de fãs do filme, que sei que é enorme!

A Grande Aposta está concorrendo em cinco categorias: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator Coadjuvante para Christian Bale e Melhor Montagem.

Um bom filme PRA PENSAR e PRA QUEBRAR A CABEÇA.

O Sal da Terra (2014)

•fevereiro 6, 2016 • Leave a Comment

Título original: The Salt of the Earth

Origem: Brasil / França / Itália

Direção: Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado

Roteiro: Wim Wenders, Juliano Ribeiro Salgado e David Rosier

Com: Sebastião Salgado, Juliano Ribeiro Salgado, Lélia Wanick Salgado, Wim Wenders (narração)

Abrindo parêntesis na série “rumo ao Oscar 2016”, gostaria de comentar rapidamente um documentário que concorreu ao prêmio da Academia Americana de Artes e Ciências Cinematográficas no ano passado, mas que acabou perdendo a estatueta para Citizenfour (2014), de Laura Poitras, sobre o vazamento dos segredos americanos por Snowden.

O Sal da Terra conta de forma poética a trajetória do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.

Dirigido e narrado pelo alemão Wim Wenders, codirigido e fotografado pelo primogênito do próprio Sebastião, o filme percorre aproximadamente 40 anos de trabalho deste economista que um dia se descobriu fotógrafo. Acompanhado e incentivado por sua companheira de vida, Lélia, o brasileiro percorreu o mundo – e continua a percorrer – registrando paisagens (geográficas e humanas) nem sempre divulgadas.

the salt of earth

Belíssimo, forte, profundo, tocante, com cenas de arrepiar, o filme apresenta-nos muito mais do que a vida de um profissional da fotografia, oferece-nos praticamente um estudo etnográfico registrado pelas lentes de um ser humano grandioso, e tão simples ao mesmo tempo, que enche de orgulho nossos corações brasileiros, em uma época tão carente desse sentimento.

Misturando fotografias do próprio Sebastião, com imagens de arquivo e mais as tomadas de agora feitas por Juliano Salgado, o filme nos mostra, com toda a tranquilidade característica da terra natal do fotógrafo – Aimorés, Minas Gerais – que cada um de nós pode contribuir de alguma maneira para transformar o mundo em um lugar melhor para se viver.

Se você ainda não assistiu, corra para vê-lo. Já está disponível no Netflix e é um espetáculo de documentário, além de uma bela lição de vida.

Ganhador do Un certain regard, prêmio especial do Júri em Cannes 2015, além do César de Melhor documentário também em 2015, O Sal da Terra nos leva a refletir sobre os valores de nossa sociedade de consumo, nossos próprios valores, nossos caminhos, nossas escolhas e nossas possibilidades, ao mesmo tempo que nos apresenta um grande profissional e um grande homem. A não perder!!!!

PRA PENSAR e PRA SE ENCANTAR.

 

 
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