A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (2019)

Origem: Brasil, Alemanha

Diretor: Karim Aïnouz

Roteiro: Murilo Hauser, Karim Aïnouz, Inés Bortagaray

Elenco: Carol Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier, Fernanda Montenegro, Antonio Fonseca, Flávia Gusmão

No fim do ano passado, tive o privilégio de assistir ao filme A Vida Invisível de Eurídice Gusmão (2019), de Karim Aïnouz, em Genebra, Suíça, dentro da programação do Festival FILMAR en América Latina. Mais ou menos na mesma época, aliás, em que o filme teve sua projeção vetada na Ancine, apesar de ter sido financiado em parte por essa Agência…

Assistir a um filme brasileiro fora do Brasil é sempre uma coisa que me emociona! (Veja a crítica do filme Tropicália (2012), do dia 6 de maio de 2012-http://www.lilialustosa.com/2012/05/06/tropicalia-2012/) Me baixa um certo sentimento de “embaixadora” do meu país, que me faz sentir responsável por aquele filme, como se, de alguma maneira, eu tivesse participado de sua concepção / produção.

Desta feita, para agravar ainda mais meu sentimento de “co-realizadora”, convidei dois amigos para irem vê-lo comigo: uma inglesa e um italiano. Ou seja, levei dois estrangeiros que pouco sabem de Brasil para assistirem a um filme em português com legendas em francês. Admito que estava ansiosa! Apreensiva pela reação deles, ainda mais quando vi a duração do filme: 2 horas e 20 minutos (nada comparado às 3 horas e meia de O Irlandês, de Scorsese, claro!).

Mas eis que A Vida Invisível me embalou de tal maneira que acabei esquecendo que estava ali com dois estrangeiros, desconhecedores de Brasil, analfabetos em língua portuguesa e tampouco experts assim na língua francesa… Não trocamos uma só palavra ao longo do filme! E olha que eu estava preparada para responder a perguntas, caso eles não entendessem uma ou outra parte. Que nada! Medo tolo o meu. O filme de Karim Aïnouz é universal, atemporal, feito com delicadeza, cuidado e maestria. Ainda que o diretor diga que há muito da vida dele ali – ele pode ser o menino, filho de Guida, criado por várias mulheres – ele conseguiu transformar uma história pessoal em uma narrativa que atinge a todos em qualquer canto do planeta.

Baseado no livro homônimo de Martha Batalha, o filme se passa no Rio de Janeiro dos anos 50 e conta a história de duas irmãs – Guida (Julia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte) – separadas por um pai autoritário e uma mãe submissa. Duas irmãs que vivem realidades distintas, mas igualmente complicadas: uma tem sua carreira de pianista atravancada por ser mulher e mãe, tendo que se adequar a um casamento praticamente arranjado; a outra, mãe solteira, abandonada pelo namorado e pelos pais, é obrigada a começar sua vida de adulta do zero, sozinha, indo à luta para alimentar seu filho, tendo que criar novos vínculos afetivos para suprir a ausência da  sua família de sangue. Vidas paralelas impensadas, não desejadas, de mulheres que lutam para tornar visíveis seus desejos e audíveis suas vozes.

Um filme que nos faz repensar o conceito de família, de amor de mãe, de pai, de irmã, de filho… um sentimento que pode surgir em locais (e pessoas) que nem imaginamos. Um filme que fala de amor, certo, mas, sobretudo, que examina atentamente a condição da mulher, tantas vezes objeto, tantas vezes voz passiva, tantas vezes reprimida em seus desejos, violentada em seus sonhos. Um tema que, infelizmente, ainda é realidade na maior parte dos países do mundo. E para isso, Karim Aïnouz teve a brilhante ideia de usar Gregório Duvivier, humorista conhecido, para interpretar Antenor, marido de Eurídice. O que deu um toque de patético às cenas de machismo explícito. Fantástico!

Com luzes coloridas, muita água, suor, imagens cheias de ruídos, deterioradas – sem alta definição, apesar de digital, – e uso quase excessivo de música, com um piano que dá voz à Eurídice, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão é um ótimo filme, digno de estar na briga por estatuetas em qualquer festival aí pelo mundo! Não à toa, já ganhou vários prêmios, entre eles o principal de Un Certain Regard em Cannes no ano passado, tendo estado ainda na briga por uma vaga entre os candidatos ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Um senão do filme pra mim foram os fortes sotaques paulista e carioca das duas irmãs, filhas de mesmo pai e mesma mãe (ambos portugueses), moradoras do Rio de Janeiro. O que para os meus amigos estrangeiros, não foi um problema “at all”, claro! Mas isso me incomodou um pouco, admito… nada que atrapalhasse, porém, o brilho deste belo filme brasileiro!

PRA PENSAR e PRA SE ORGULHAR.

~ by Lilia Lustosa on março 20, 2020.

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