Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (2014)
Título original: Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance)
Origem: EUA
Direção: Alejandro González Iñárritu
Roteiro: Alejandro González Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo, Raymond Carver
Com: Michael Keaton, Emma Stone, Naomi Watts, Edward Norton, Zach Galifianakis, Andrea Riseborough, Amy Ryan
Com anos-luz de atraso, assisti finalmente ao famoso e oscarizado Birdman. Confesso que, apesar das estatuetas douradas – Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Fotografia – , não fui com “muita sede ao pote”, já que havia lido nas redes sociais e em algumas críticas da época (sobretudo na francesa) que Iñárritu teria se exaltado com este filme, aproveitando-se para se exibir (show-off), usando e abusando das potencialidades da sétima arte para mostrar o quão bom ele era…
Depois de assistir ao filme ontem, só pude concordar com esses comentários: sim, o diretor mexicano se exibiu, se exaltou, exagerou e comprovou mais uma vez o seu enorme talento. Birdman é um filmaço, super merecedor dos inúmeros prêmios recebidos. E talvez injustiçado por alguns críticos justamente por pagar o preço da fama, drama tão bem tratado em seu roteiro.
Bem, vamos ao filme!
Em uma espécie de mise en abyme (“narrativa em abismo” – narrativa que contém outras narrativas dentro de si), Birdman conta a história de Riggan Thomson (Michael Keaton) um ator passado da meia idade, em decadência, que luta com todas as suas forças para recuperar o sucesso e a glória que um dia bateram à sua porta. No passado, incarnou nas telas de cinema o super herói Birdman, tendo se tornado uma celebridade, aclamado em todo o mundo. Depois de ter dito não à sua participação em Birdman 4, Riggan viu sua carreira desmoronar aos poucos. Não sem relação com a própria carreira e vida de Michael Keaton, que encarnou Batman (1989) e Batman Returns (1992), não conseguindo mais grandes destaques no universo hollywoodiano.
No presente, numa tentativa louca de recuperar o sucesso, o reconhecimento da crítica e do público, e sobretudo, sua autoestima e sanidade mental, Riggan decide dirigir, produzir e atuar em uma peça de teatro – What we talk about when we talk about love , de Raymond Carver – adaptação de um texto consagrado pela Broadway. Interessante ver aqui aquele eterno duelo entre as artes, voltando à velha questão de que o teatro seria uma arte superior ao cinema, porque mais antiga, mais pura, etc. Talvez um “tendão de Aquiles” na vida dos atores de cinema…
A história vai, então, se passar nos dias que antecedem a estreia da peça na Broadway, período em que vemos a angústia e o temor de Riggan crescendo e tomando conta de todo o seu ser. Convivem em sua mente (e corpo), o ator Riggan Thomson e o personagem Birdman, numa simbiose meio esquizofrênica, um tentando dominar o outro e assumir o poder. De um lado um fracassado mortal que tenta provar seu valor; do outro, uma celebridade, o aclamado herói, dotado de super poderes, totalmente seguro de seu sucesso. Um duelo – que, certamente, não é privilégio só de Riggan – super bem retratado pela voz interna, pela trilha sonora e pela câmera nervosa que persegue os personagens no labirinto dos bastidores do teatro, local que deixa o glamour de fora. Lá vemos os atores despidos de suas fantasias, de suas máscaras, maquiagens, vemos suas fragilidades e suas “humanidades”. Corredores estreitos e escuros, escadas, portas e mais portas que nos confundem, nos causam náuseas, claustrofobia ou, ao menos, um certo incômodo pelo seu excesso. Como se acompanhássemos os vais e vens do pensamento de Riggan, suas angústias e questionamentos, seu aprisionamento naquele homem pássaro que foi um dia e que não o deixa ser ele mesmo.
Aí talvez eu concorde que houve exagero! Iñárritu exagerou no uso dos planos-sequências. Eles me cansaram, me incomodaram ao longo de todo filme. Pensei: poxa, precisava de tantos? Depois, me dei conta que justamente essas tomadas sem fôlego, com movimentos sinuosos, arredondados, esquizofrênicos, davam na justa medida o sentimento de encurralamento que vive o protagonista (e muitos outros atores de teatro e de cinema por este mundo afora, sem falar de nós, espectadores, atores da vida real, que buscamos sem cessar o reconhecimento de alguém). Uma técnica difícil, que exige precisão e muito ensaio, e que, aqui, foi muito bem utilizada.
A trilha é um caso à parte. Quase toda composta em cima do som do baterista Antonio Sanchez, propositadamente ou não, ela acentua esse aspecto de “irritação” e “incômodo”. (Que desculpem os bateristas!). É ela que dá o tom, o ritmo ao movimento do personagem e também à sua loucura. O toque repetitivo irrita como um zumbido dentro da cabeça, uma martelo que bate sem cessar e que enlouquece. Mais uma vez, exagerado, demasiado, mas super apropriado ao filme.
Assim sendo, concluo por onde comecei: Birdman é sim excessivo, com planos-sequências demais, bateria demais, movimento demais, tempo demais (achei um pouco longo!), porém tudo utilizado dentro de um mesmo propósito: de nos mostrar o impasse (ou a loucura) a que a celebridade pode levar. Pode até ser que o lado Birdman de Iñárritu tenha tido, de fato, o propósito de se exibir e derramar todos seus talentos sobre o público. Não importa! O que conta é que o resultado foi um filme de primeira grandeza.
PRA PENSAR
Oi Lilia,
Adorei o filme e as suas palavras também. Aqueles planos sequências foram estupendos !!! Acho que a ideia do diretor mexicano foi exatamente essa: claustrofobia, aprisionamento – do jeito que vc disse aí em cima. A trilha também achei intencional: muito ruído, distorções sonoras; justamente para “musicalizar” o incômodo.
Agora está rolando a Mostra Int’l de Cinema de SP e estou aproveitando para ver alguns filmes da nova safra nórdica e estou gostando. Já assisti a três: “Mens & Chicken”, “Redação em Off” e “A jovem rainha”. Gostei deles. Envio o link da lista: http://39.mostra.org/br/programacao/?p=1&data=todos&secao=FOCO%20N%C3%93RDICO%20-%20APRESENTA%C3%87%C3%95ES%20ESPECIAIS . Quem sabe a terra de Gardel é mais atualizada que a nossa e vc possa ver-los por aí ?
Bye.
Andréa Assis said this on novembro 2, 2015 at 19:56 |
Querida Andréa, você acredita que só hoje vi seu comentário! Mil perdões! Meu blog está com algum problema de configuração que não me informa mais sobre os comentários recebidos. Hoje, por acaso, vi que havia um comentário sobre a crítica de Carol… daí quando entrei na seção comentários, vi o seu. E você sabe o quanto aprecio o “seu olhar”! Adoro ler o que você enxergou, sentiu, percebeu em um filme! Adoro também suas sugestões, suas indicações… e só posso lamentar não ter reagido no momento adequado. Uma vez mais, desculpe-me! E obrigada pelas dicas! Infelizmente a terra de Gardel não é mais atualizada do que a nossa… mas vou tentar encontrar esses filmes! Beijos e boa semana!
Lilia Lustosa said this on fevereiro 15, 2016 at 13:52 |