O Som do Silêncio (2019)
Título original: The Sound of Metal
Origem: EUA
Direção: Darius Marder
Roteiro: Darius Marder, Abraham Marder
Elenco: Riz Ahmed, Olivia Cooke, Paul Raci, Mathieu Amalric, Lauren Ridloff
Mais do que um filme, O Som do Silêncio é uma experiência sonora alucinante, que nos faz viver o drama de um jovem baterista que está perdendo a audição. Ele terá que largar a banda de heavy metal, a namorada e todos os sonhos que cultivava para encontrar uma saída para sua nova condição.
Nessa busca por uma identidade, muitas serão as revelações e os aprendizados. A passagem de Ruben, sensivelmente interpretado pelo britânico Riz Ahmed, por um centro de reabilitação para pessoas com deficiência auditiva (ele, um ex-viciado em heroína) vai fazer-lhe entender a surdez não mais como uma deficiência, mas sim como uma nova cultura. Sua nova cultura! É preciso se acostumar à nova realidade, aprender uma nova língua, novos hábitos e também novos prazeres. E para isso, o músico contará com a experiência e os ensinamentos do mentor da comunidade, Joe (um também excelente Paul Raci), que perdeu a audição durante a guerra do Vietnã. O ator, que é “filho ouvinte de pais surdos” e esteve realmente no Vietnã, traz a experiência de sua infância e adolescência para a tela, quando servia de canal entre seus pais e o mundo dos sons.
Além desse flerte com a realidade, os atores que interpretam os residentes da comunidade são todos surdos de verdade, o que traz ainda mais veracidade para o filme de Marder, afastando-o talvez assim de acusações de cripface (quando uma pessoa sem deficiência interpreta outra com deficiência). E no caso dos personagens Ruben e Joe, os dois são ouvintes que perderam a audição já adultos, logo, já dominavam bem a fala.
O Som do Silêncio sugere ainda a possibilidade de voltar a ouvir por meio de um implante coclear, tecnologia que traz os sons de volta, mas com certas distorções. Uma alternativa muitas vezes rechaçada, ou até mesmo discriminada, pelas pessoas com surdez que veem no procedimento uma traição à aceitação da deficiência. Percebe-se assim que há diversidade mesmo dentro do mundo dos que não ouvem! E algumas escolhas, como em qualquer outro segmento da sociedade, acabam rendendo retaliações.
Filmado em 35mm (e não com uma câmera digital), O Som do Silêncio aposta em uma fotografia mais contrastada, com tons mais escuros, com muitas tomadas em contraluz e muitos closes. Tudo para fazer o espectador se sentir dentro daquela escuridão pela qual Ruben está passando. Mas o grande trunfo do filme é, sem dúvida, o trabalho de som primoroso, imersivo e angustiante, que nos coloca dentro da cabeça do protagonista. Os ruídos do filme são dramaturgia pura! Da gota de café que cai da cafeteira ao jazz que toca na vitrola do trailer em que moram Ruben e Lou (Olivia Cooke), tudo é notado, acentuado, engrandecido. Da mesma maneira que, à medida em que Ruben vai perdendo a audição, nós espectadores também vamos perdendo com ele. Ouvimos sons que se distanciam, sons distorcidos, abafados, agudos, metálicos… Uma experiência aflitiva que nos leva a refletir sobre os tantos sons do nosso quotidiano, aos quais, em geral, não damos a menor importância.
Em um ano em que a OMS divulga o primeiro Relatório Mundial sobre Audição, revelando que cerca de 1,5 bilhão da população mundial vivem com certo grau de deficiência auditiva, O Som do Silêncio tem tudo para brilhar! Além das indicações para os Oscars de melhor ator e ator coadjuvante já mencionadas, ele concorre ainda em outras quatro categorias: melhor filme, melhor roteiro original, melhor montagem e melhor som. Seis indicações super merecidas, resultado de um trabalho inclusivo, multidisciplinar e encantador deste excelente e primeiríssimo longa de ficção de Darius Marder. Que venham outros mais!
Um filme PRA PENSAR, APRENDER E SE ENCANTAR