Sils Maria (2014)
Título original: Clouds of Sils Maria
Origem: França /Suíça / Alemanha
Diretor: Olivier Assayas
Roteiro: Olivier Assayas
Com: Juliette Binoche, Kristen Stewart, Chloë Grace Moretz, Lars Eidinger
Um filme denso, complexo e bonito, que nos faz pensar sobre a passagem do tempo e sobre a nossa maneira de lidar com o velho e com o novo.
Contracenando com uma Juliette Binoche absolutamente impecável, Kristen Stewart confirma o que já se anunciava no filme Na Estrada (2012), de Walter Salles: Ela é sim uma atriz de talento!
Rodado em sua maior parte nos sublimes alpes suíços, com uma câmara 35mm (nada de digital), o filme conta a história de Maria Enders (Juliette Binoche), uma atriz de renome que se prepara para reencenar a peça que lhe projetou para o estrelato, vinte anos antes. Em Maloja Snake*, escrita por Wilhelm Melchior, ela interpretava Sigrid, uma jovem cruel, ambiciosa e inconsequente, que seduz sua chefe Helena – mulher madura, casada, com filhos – e que depois de conseguir o que quer, a abandona. Helena não resiste e acaba cometendo o suicídio.
Mas desta feita, Maria Enders será Helena. E o papel de Sigrid será dado a uma ninfeta hollywoodiana, ambiciosa e destemida – interpretada por uma também excelente Chloë Grace Moretz – presença constante nas redes sociais por conta de seus inúmeros escândalos.
E é assim que a história se desenvolve, mergulhando-nos em uma bonita reflexão sobre a passagem do tempo e sobre a aceitação (ou não) do novo (e do velho que vamos nos tornando a cada dia).
Maria Enders e sua assistente Valentine vão se instalar, então, no chalé do diretor Melchior, em Sils Maria, nos alpes suíços, local em que a peça foi originalmente escrita. Lá as duas vão ensaiar as falas, fazer longas caminhadas e, sobretudo, vão compartilhar seus dias e seus pensamentos, vivenciando a peça de tal maneira, que fica difícil determinar o que é ficção e o que é realidade.
Ao reproduzir a mesma situação da peça, ou seja, mulher jovem (a assistente Valentine/Kristen) relacionando-se com mulher madura (a atriz/Juliette), Olivier Assayas nos coloca em uma mise en abyme (narrativa em abismo) alucinante, em que as falas se encaixam perfeitamente da peça para o filme.
Há uma certa tensão no ar. Uma certa angústia do envelhecer, um desprezo pelo efêmero que a modernidade instalou e tanto preza. Mas, ao mesmo tempo, há também um descontentamento em se ser jovem. Uma frustração talvez por enxergarem o desdém com que as gerações passadas tratam o pensamento juvenil, seus hábitos e seus objetos do agora. Como se só a idade fosse capaz de nos fazer enxergar as coisas com clareza, como se só os mais experientes tivessem acesso a sentimentos reais. Será?
O filme é construído, portanto, encima desse contraste entre velho e novo, indo desde as próprias diferenças culturais entre Velho e Novo Continente até conflitos menores, causados pelo choque de gerações. Estão em jogo aí a Internet e sua nova maneira de fazer pesquisa, de pulverizar informação (Olha o Dr. Google aí, gente!). São fofocas ou informações de verdade? E aí, é claro, não vão faltar smartphones, ipads e computadores para fazerem um belo contraponto com a sobriedade, a simplicidade e a tranquilidade dos alpes suíços. Características estas que acabam por dar a este rico e pequeno país uma sensação de ter parado no tempo.
Questiona-se ainda o starsystem hollywoodiano, a fama fácil, o escândalo que vende. Blockbuster versus filme de arte. Ficção científica versus drama. Enfim, uma porção de conceitos fechados aos quais vamos, ao longo da vida, nos agarrando e que vão, pouco a pouco, impedindo-nos de enxergar mais adiante.
Sils Maria é, sem dúvida, um filme que faz pensar, refletir sobre nossa paradoxal angústia diante do novo e de um velho que não volta mais.
Um filme PRA PENSAR.
* “Maloja Snake” é o nome que se dá a um fenômeno meteorológico em que nuvens bem compridas serpenteiam pelos Alpes suíços, podendo ser apreciado de vilarejos como Sils Engadin ou Sils Maria, no cantão de Graubünden. Nietzsche, inclusive, de suas passagens por lá, enaltecia este pedaço do mundo como “o canto mais charmoso da Terra”.